domingo, 15 de junho de 2008

Roteiro da Turma 102





E SE FOSSE VERDADE?


CENA 01 – CASA
Homem entra acompanhado de uma mulher na sala de um apartamento. O imóvel está vazio.
CORRETORA
É, David, bem clássico. Me informaram que tem há um problema com a proprietária que impossibilita um contrato longo.
DAVID
(senta no sofá)
Não quero saber de burocracias! Quero ficar com ele.
CORRETORA
Mas...
DAVID
Já decidi.
CENA 02 – CASA DE DAVID
David está em frente à televisão com os pés na mesa de centro, com cara de insone. Ao seu redor várias latas de cerveja vazias. Ele se levanta, chutando latas. Vai até a geladeira, pega uma lata de cerveja e fecha a porta da mesma.
MULHER
O que você está fazendo aqui?
David se assusta e abre a lata que estoura no rosto da mulher.
DAVID
(assustado)
Quem é você?
MULHER
(brava)
Eu perguntei primeiro.
David gagueja.
MULHER
(brava)
Perdeu a língua é? O que você está fazendo na minha casa? O que é essa bagunça?
David gagueja.
MULHER
(assustada)
Meu Deus! É um assalto? Olha, eu não tenho nada de valor e...
DAVID
(grita)
Não!
MULHER
(dá um grito)
Pegue o que quiser e..
DAVID
Espere aí, eu aluguei esse apartamento! Ah...entendi. Eu não acredito que eu caí!
MULHER
No quê?
DAVID
No golpe do aluguel.
MULHER
Olha, vou ligar para a polícia e resolvemos isso de uma vez. (se vira e vai para outra peça)
DAVID
(indignado)
É isso mesmo! Vamos resolver agora e...
David chega na outra peça e perde a mulher de vista.
DAVID
Ué, cadê você?
CENA 3 – BANHEIRO
David está enrolado numa toalha. O espelho está embassado. Ele limpa o espelho com a mão e vê o reflexo da mulher novamente.
MULHER
(furiosa)
Sai da minha casa!
David grita. Olha para trás. Limpa de novo o espelho e não vê ninguém.
CENA 4 – BAR
David está sentado a mesa com um amigo.
DAVID
Eu não sei como te dizer isso, Jackson mas..
JACKSON
Que tal do início?
DAVID
Há uma mulher.
JACKSON
(feliz)
Até que enfim! Que ótima notícia!
DAVID
Não. Não é isso. Há uma mulher morando na minha casa!
JACKSON
Já está nesse nível! Maravilha! Está começando a viver novamente!
DAVID
Não (fala alto)! Há uma mulher que aparece e some de repente na minha casa.
Jackson estranha.
JACKSON
Olha, David, acho melhor termos essa conversa no meu consultório. Somos amigos há anos, eu te faço um desconto.
DAVID
Eu juro, ela é bem real!
JACKSON
E como ela é?
DAVID
Baixa, morena, cabelo cacheado, marrenta e com mania de organização.
JACKSON
E quando você a viu, tinha bebido alguma coisa?
DAVID
Sim.
JACKSON
Se não quiser conversar sobre isso no meu consultório, te indico um colega.
DAVID
(indignado)
Ah...pára com isso.
JACKSON
Está bem. Digamos que essa mulher misteriosa exista mesmo. O que fazemos quando algo assombra a nossa casa? Chamamos um pai de santo.
CENA 5 – CASA DO DAVID
Um pai de santo joga milho pela casa inteira. Fala em uma língua desconhecida e fuma um charuto. David acompanha o pai de santo. A mulher aparece furiosa.
MULHER
Eu espero que você limpe isso assim que o preto veio sair!
CENA 6 – CASA DE DAVID
Agora um pastor evangélico anda de um lado para outro. David está parado e o acompanha com os olhos. A mulher está ao lado de David com os ouvidos tampados.
PASTOR
(gritando)
Por que Jesus é mais forte que tu, demônio! Saia desta casa cristão e volta pros quintos dos inferno que é o teu lugar!
MULHER
(para David)
Fala pra ele que eu não sou surda!
DAVID
Pastor!
PASTOR
Por que o templo foi profanado e partido...diga meu filho.
DAVID
Pode falar mais baixo. Ela está aqui do meu lado.
O pastor se assusta.
PASTOR
O demônio está no teu corpo, irmão! Terei de tirá-lo a força!
DAVID
(assustado)
Oh, não!
PASTOR
(berrando)
Sai deste corpo que não te pertence! (começa a bater em David com a bíblia)
David se defende como pode. Começa a empurrar o pastor para a porta da rua. Com muita dificuldade, ele consegue expulsar o sacerdote. David tranca a porta.
MULHER
Dá pra me explicar o que significa este circo todo?
DAVID
(dá um grito)
Fica longe de mim!
MULHER
Olha, cara! Eu só quero que vá embora, tá bom?
DAVID
Meu Deus! Será que você não percebeu ainda?
MULHER
O quê?
DAVID
Que você está morta!
MULHER
(se assusta)
Como ousa?
DAVID
Aliás, já faz um tempo que quero fazer isso. (estende a mão) Eu sou David e você é...
A mulher mostra dificuldade para lembrar o nome. Ela vê uma caneca no armário com o nome Elisabeth escrito.
MULHER
Elisabeth, meu nome é Elisabeth.
DAVID
Você colou!
ELISABETH
Não colei não!
DAVID
Colou sim!
ELISABETH
Olha, chega! Eu vou ligar pra polícia e vamos acabar com isso.
Elisabeth tenta pegar o telefone sem fio, mas não consegue. Ela dá um grito.
DAVID
Vá para a luz, Elisabeth!
ELISABETH
Cala a boca!
Elisabeth sai e desaparece.
CENA 07 – LIVRARIA
David está folhando livros. Um homem aparece e toca em seu ombro.
HOMEM
Procurando algo especial?
DAVID
Trabalha aqui?
HOMEM
Dario. (apertam-se as mãos) Trabalho aqui e conheço todos os livros desta livraria.
DAVID
Ah é? Então me indica um livro que me ensine a expulsar um espírito da minha casa.
DARIO
Nossa! O caso é sério. (começa a tirar livros da prateleira) Tome esse, mais esse e mais esse.
Mas creio que posso ajudá-lo de uma outra forma.
CENA 08 – CASA DE DAVID
Dario está sentado no sofá. David está em pé.
DARIO
Hum, não sinto nada.
DAVID
Ela não está aqui.
DARIO
Então chama ela.
David
Chamar ela?
DARIO
Sim.
DAVID
Elisabeth! Elisabeth!
DARIO
Assim acho melhor pegar um travesseiro.
DAVID
Espera aí! Eu tive uma idéia.
David vai até a geladeira e pega uma cerveja.
DAVID
Eu estou abrindo uma geladíssima lata de cerveja e estou colocando direto na mesa de centro de madeira nobre!
Elisabeth aparece.
ELISABETH
Tu não conheces descansa-copos!
DARIO
Espere estou sentindo algo.
DAVID
Ela acabou de chegar.
DARIO
É, com certeza é uma presença espiritual. Mas que estranho!
DAVID
O quê?
DARIO
É o espírito mais vivo que eu já tive contato!
DAVID
E quantos tu já conheceu?
DARIO
Dois. Contando com esse.
ELISABETH
Quanta experiência!
DARIO
Mas estou certo de uma coisa: ela não está morta.
ELISABETH
Gostei dele.
DAVID
Como é que é?
DARIO
Quanto a você.(vira para David) Cruzes! Cuidado, isso está te matando.
ELISABETH
(debochada)
Hum...temos um segredo em casa! Que foi? Ela te chutou? Pobrezinho.
DAVID
(quase chorando)
Não fala do que tu não sabe!
David sai.
DARIO
Moça, só peço uma coisa: respeite os mortos.
Dario sai.
CENA 09 – QUARTO
Elisabeth entra no quarto. David está sentado olhando pela janela.
ELISABETH
Olha, me desculpe. Eu não tinha direito de ferir teus sentimentos.
David não responde.
ELISABETH
(preocupada)
Como ela era? Faz muito tempo que ela se foi?
DAVID
Um ano.Parece que foi ontem. Parece que ela esteve aqui há pouco e já vai voltar. Mas ela nunca mais vai voltar! Eu...eu não vou mais vê-la! Ainda é difícil, sabe? Difícil aceitar a vida sem ela.
ELISABETH
Olha, David, eu não sei mais nem o que é vida.
Que tal pararmos de brigar e ajudar-nos uns aos outros.
DAVID
Tudo bem.
ELISABETH
Vamos descobrir quem eu sou.
CENA 10 – CORREDOR
David e Elisabeth batem em várias portas. Todos respondem a mesma coisa.

VIZINHOS
Não sei quem era.
ELISABETH
Nossa! Será que eu era uma criminosa?
DAVID
(bate na porta)
Ou amante de algum político.
ELISABETH
Eu não era uma vagabunda!
A porta se abre. Ouve-se um som estridente de um funk vulgar. Uma mulher vestida de funqueira aparece.
VIZINHA
(entusiasmada)
Oi.
DAVID
Olá. Sou seu vizinho do andar de cima e gostaria de algumas informações sobre a moça que morava no apartamento antes de mim.
VIZINHA
Desculpa, mas a vi muito pouco. Ela me parecia estranha, não falava com ninguém. Parecia que fazia questão disso.
(se insinua para David)
Olha, a minha janela emperrou. Pode me ajudar?
DAVID
(entendendo o clima)
Ah...desculpa! Mas eu não entendo nada de consertos. Tenho que ir.
VIZINHA
(mais insinuante)
Tudo bem! Mas qualquer hora aparece aí para tomar uma caipirinha!
David e Elisabeth se viram. A vizinha fecha a porta lentamente.
ELISABETH
(debochada)
Sai que é sua!
DAVID
Cala a boca!
CENA 12 – RUA
David e Elisabeth estão andando.
DAVID
Mas como você não se lembra de nada!
ELISABETH
Eu não consigo...eu tento e...nada!
Um homem cai na calçada. Ouve-se um grito de socorro e um pedido de um médico. Elisabeth pára de andar e olha fixamente para o homem caído no chão.
ELISABETH
David!
DAVID
O quê?
ELISABETH
Temos que ajudá-lo.
DAVID
Como?
ELISABETH
Faça exatamente o que eu mandar.
DAVID
(nervoso)
Como é que é?
ELISABETH
(gritando)
Vai!
David se abaixa e protege o homem com o corpo.
DAVID
(falando bem alto)
Tudo bem! Eu sou médico! Afastem-se!
(falando baixo e medroso)
O que eu faço agora?
ELISABETH
Veja se ele está respirando.
DAVID
Parece que ele não está conseguindo.
ANÔNIMO
Falou comigo, cara?
DAVID
Não!
ELISABETH
Pelo jeito ele precisa de uma traqueotomia.
DAVID
Traque o quê?
ANÔNIMA
Mas que espécie de médico é você?
ELISABETH
Traqueotomia!
DAVID
(nervoso)
Preciso fazer uma totomia!
ELISABETH
Traqueotomia!
DAVID
Xicotomia!
ELISABETH
Olha, pede uma tampa de caneta.
DAVID
(nervoso)
Uma tampa de caneta, por favor!
Um estudante alcança uma tampa de caneta a David que a pega.
ELISABETH
Agora faça um furo naquela cavidade entre o pescoço e o peito.
DAVID
Faço um furo na cav...espera aí, eu vou matar o cara!
ELISABETH
David, confie em mim. Se fizer isso ele vai morrer!
DAVID
(grita)
Uísque! Alguém pode me conseguir um uísque
As pessoas ficam se olhando estranhando o pedido. Um mendigo fura a multidão.
MENDIGO
Moço, isso serve! (estende uma garrafa de cachaça)
David bebe todo o líquido da garrafa. Escarra, pega a tampa da caneta e faz o furo no homem caído. O paciente começa a respira na hora. Todos aplaudem. David se levanta feliz.
ELISABETH
Eu sou médica!
DAVID
Você é médica! Digo, eu sou médico!
Espera aí! Alguém sabe onde é o hospital mais próximo?
MENDIGO
O Livramento na rua de cima!
David e Elisabeth saem correndo.
CENA 13 – HOSPITAL
David e Elisabeth chegam na recepção.

DAVID
(para a recepcionista)
Por favor, eu gostaria de uma informação. É sobre uma médica que trabalhou aqui: Dra. Elisabeth.
RECEPCIONISTA
Dra. Elisabeth? Mastersson?
DAVID E ELISABETH
Sim!
RECEPCIONISTA
Ela não trabalha mais conosco. É familiar?
ELISABETH
Diga que é meu namorado, se não vão te dispensar.
DAVID
Nós éramos namorados. Estive viajando e estou sem notícias dela.
RECEPCIONISTA
Um momento por favor.
A recepcionista se distancia e pega o telefone.
ELISABETH
Ela falou naquele tom.
DAVID
Que tom?
ELISABETH
Que a gente fala para as famílias quando não há mais o que fazer para salvar o paciente.
DAVID
Essa não!
(olha para Elisabeth)
Eu, não sei como te dizer...
ELISABETH
O quê?
DAVID
Eu não gostaria de te perder.
FRAN
É o senhor que quer saber de Elisabeth Mastersson!
ELISABETH
(grita)
Fran!
DAVID
Fran!
Digo, Dra. Fran!
FRAN
Dra. Francine Couto, prazer. Mas parece que já me conhece! Não sei de onde!
DAVID
Desculpe, é que Elisabeth me falou muito da senhora.
FRAN
Venha comigo.
CENA 14 – CORREDOR DO HOSPITAL
Fran, David e Elisabeth estão andando pelo corredor.
ELISABETH
Agora eu lembro! A Fran é minha melhor amiga! Eu contava tudo pra ela. A minha vida era este hospital.
DAVID
Elisabeth dizia que sua vida era o hospital. E que era a sua melhor amiga.
FRAN
É verdade. Mas o estranho é que ela nunca me falou de você.
DAVID
Nosso relacionamento era muito recente. (olha para Elisabeth)
Fran pára em frente a um quarto e abre a porta.
FRAN
Então, sinta-se à vontade, senhor David.
Elisabeth e David entram no quarto. Lá dentro, os dois se assustam com o que vêm: Elisabeth deitada na cama, em coma. Fran entra no quarto.
ELISABETH
Agora eu lembro: o acidente! Eu estava saindo daqui quando um caminhão me cortou a frente. Ai...que dor de cabeça!
DAVID
Desde quando ela está assim?
FRAN
Um ano. A família já autorizou a retirada dos órgãos.
DAVID E ELISABETH
Como?
FRAN
Um ano sem evolução do quadro e a atividade cerebral é nula. Está mais que configurada a morte cerebral. Sinto muito.
DAVID
(olhando, com os olhos rasos d’água, para o espírito de Elisabeth)
Não pode. Não pode tirar ela de mim.
FRAN
O senhor ficou muito tempo longe, senhor David, a irmã dela assinou os papéis. Eu vou deixar o senhor se despedir dela.
Fran sai.
ELISABETH
Ai meu Deus! E agora!
DAVID
Eu não sei.
CENA 15 – Casa de Abigail
Toca o telefone. Uma mulher atende.
MULHER
Sim.
FRAN
Senhora Abigail Mastersson, aqui é a Dra. Fran. Estou ligando para falar sobre Elisabeth, é que apareceu um rapaz dizendo ser namorado dela e está contestando a sua autorização.
ABIGAIL
Como é que é? Elisabeth não tinha namorado nenhum, se tivesse eu saberia.
CENA 16 – QUARTO DO HOSPITAL
Elisabeth entra e sai de seu corpo.
ELISABETH
Não está dando certo. Não consigo ficar!
Fran entra no quarto com dois seguranças.
FRAN
Senhor David, eu gostaria de pedir que se retirasse!
DAVID
Mas o que é isso!
FRAN
Acabei de ligar para a irmã de Elisabeth, que era a sua única família, e ela nunca soube de nenhum namorado chamado David.
DAVID
Espere eu posso explicar.
Fran faz sinal para os seguranças, que avançam. David se abraça ao corpo de Elisabeth e o levanta isso faz com que a mangueira de oxigênio se rompa. Fran se assusta, os seguranças paralisam. O espírito de Elisabeth começa a desaparecer.
ELISABETH
David, está acontecendo. Está frio. David!
DAVID
(olha para o espírito de Elisabeth, que some)
Não me deixe. Eu não quero ficar sozinho de novo!
(olha para o corpo de Elisabeth e beija seus lábios)
David vai largando Elisabeth lentamente, ela abre os olhos devagar. Elisabeth olha para David e não o reconhece, demonstra medo dele. David nota que a moça não sabe quem ele é e se afasta lentamente com uma expressão triste no rosto. Cabisbaixo, ele deixa o quarto.
CENA 17 – CASA DE DAVID/ELISABETH
Elisabeth chega ao apartamento com uma mala em cada mão. Larga a bagagem no sofá e vai até a cozinha. Pega um copo d’água, bebe. Ao se virar se assusta com David parado na porta.
ELISABETH
(assustada)
Que você quer?
DAVID
Devolver a chave. Tome. (estende a mão fechada)
Elisabeth estende a mão para receber. Sente um arrepio quando as mãos se tocam. David tira a mão de repente. Ela vê em sua mão um molho de chaves e uma tampa de caneta. As lembranças das aventuras de seu espírito ao lado de David vêm à tona. David se vira e começa a sair.
ELISABETH
David!David se vira. Ela corre para seus braços. Beijam-se.

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